quinta-feira, 13 de março de 2014

Raul Seixas 7 - Há 10 Mil Anos Atrás (1976)

Oi, eu sou o Salinas! Depois do resultado fraco de Novo Aeon, este é o segundo maior sucesso de Raul Seixas (perde apenas para Gita).

Este disco também marca a interrupção na parceria com Paulo Coelho, que co-assina apenas uma faixa. Jay Vaquer, irmão da então esposa de Raul, Glória, também assina duas faixas.

Outro disco mais místico, filosófico, do que político. Raul aqui está mais preocupado com a condição humana, talvez já percebendo que peitar os militares não dá muito certo. E ainda por cima, agora é pai. As críticas à ditadura continuam, mas em poucas faixas, e bem mais disfarçadas. Quanto ao som, é aquela salada de ritmos que já estamos acostumados: tem aquela levadinha marota de rock quase com um cheiro de country que é tão a cara do Raul, tem baião, tem forró, tem tango, e tem temas triunfais quase religiosos, que te deixam completamente em paz.

"Canto para Minha Morte" (Raul)

Uma das faixas mais lindas da obra do Raul abre o disco com um tremendo tango, muito introspectivo, onde ele se pergunta como será sua própria morte. (esta música é muito tensa pra mim, tô chorando enquanto escrevo -- sério) Ironicamente, a morte dele não veio num "escorregão idiota, num dia de sol", mas sua empregada encontrou o "copo de uísque que ele não terminou de beber" ...aquela noite!!

"Meu Amigo Pedro" (Raul)

Faixa carregada de significados. Originalmente composta para seu irmão Plínio, que ao contrário de Raul tomou um rumo mais "normal" na vida. Diz-se também que ela também se aplicava ao seu severo pai de Paulo Coelho, que se chamava Pedro e que chegou a interná-lo em clínicas psiquiátricas. Outros acham que na verdade Raul está falando com o próprio Paulo, já que a parceria não está mais nos seus melhores dias. Também é possível enxergar o conflito de gerações, ou mesmo a leitura de "direita vs. esquerda" que já na época fazia sentido, e infelizmente poucos ainda superaram. O importante é ser capaz de respeitar a posição do próximo, sem querer impor seu ponto de vista, afinal "Todos os caminhos são iguais". Mas tem até quem diga que o "pedro" no caso é o pênis de Raul!! A plurissignificância de Raul, a esta altura, não é mais surpresa.

"Ave Maria da Rua" (Raul)

Raul pára por um momento, num rasgo de religiosidade (ele que tem muito mais Espiritualidade, isso sim), e numa faixa triunfal, teológica, quase um cântico de igreja, faz uma homenagem a essa que é a personagem mais importante da vida de qualquer um de nós: a mãe. Seja ela "Virgem Maria, Glória ou Cecília", (seria a própria Glória Vaquer? Ela já estava grávida de Scarlet). Mesmo assim, um pequeno trecho pode ter leitura política: "Não estou cantando só / Cantamos todos nós / Mas cada um nasceu / Com a sua voz, / Pra dizer, pra falar / De forma diferente / O que todo mundo sente". O velho truque de deixar o lance disfarçadinho no meio de coisas que não têm nada a ver com o assunto... outra que passou no nariz dos milicos e ninguém percebeu!


"Quando Você Crescer" (Raul / Paulo / Jay)

Esta faixa tem uma sonoridade estranhamente moderna, o comecinho dela pra mim soa total anos 90. Raul fala sobre as convenções sociais e o que se espera de nós: trabalhar, ganhar dinheiro, comprar casa, carro, casar...  e o conformismo de perceber que, no fim das contas, não existe muita escolha. É o mesmo que ele já falou em Ouro de Tolo e em É Fim de Mês. No fim das contas, é o tema central da filosofia: você pode ficar confortável com essa sua vida medíocre, mas isso é tão pobre... todo o resto do questionamento filosófico, de certa forma, depende dessa questão.

"O Dia da Saudade" (Raul / Jay )

Um deboche geral sobre o feriado de Finados, com sugestões de feriados tão irrelevantes quanto, por exemplo o "Dia de Fazer Cosca, no pé um dos outro". O tal palhaço que come lixo existiu mesmo, e Raul fala dele na famosa última entrevista no Jô Soares.

"Eu Também Vou Reclamar" (Raul)

Esta música me faz lembrar de quando eu comecei a ouvir Raul pra valer, no tal cd que a minha amiga gravou pra mim. Entre as "novas" que fui conhecendo, foi a primeira que eu curti. À primeira vista ele poderia estar falando da sobrecarga de informação, falando de notícias misturadas, MiGs, Vikings, propagandas de móveis estofados, "a verdade do universo e a prestação que vai vencer". Mas na real ele ataca a ~música de protesto~ que se tornou comum no Brasil nos anos 60. O tal dicionário, "cheio de palavras que eu sei que nunca vou usar" é na real o dicionário da censura, uma lista de palavras que os artistas não podiam usar, que segundo ele continha por exemplo "universidade". Além disso, Raul alfineta outros artistas que o criticaram, como Sílvio Brito, Belchior (o tal "rapaz latino americano", e também o "chato que lhe grita nos ouvidos": Raul teria usado essa palavra para descrevê-lo ao vivo) e Hermes Aquino. Uma metralhadora! E de quebra, reivindica o título de "Pai do Rock Brasileiro": "Porque eu fui o primeiro / E já passou tanto janeiro (...) Que eu já passei / Por Elvis Presley / Imitei Mr. Bob Dylan, you know... / Eu já cansei de ver / O Sol se pôr"

"As Minas do Rei Salomão" (Raul)

Regravação de uma faixa do Krig-Ha Bandolo, já analisada. Prefiro muito mais esta versão, que ficou bem mais rock & roll com baixo nervoso, a guitarrinha marota brincando lá no fundão, e o piano.

"O Homem" (Raul)

Outra bela faixa, a progressão de acordes no verso (e de novo o baixo carregando o galerê nas costas) é simples mas sensacional. Aqui Raul fala muito sobre voltar, e não querer mais ir embora novamente. Talvez esteja lembrando o quanto foi difícil ficar no exílio, mas ao mesmo tempo pensa no "preço" para poder ficar por aqui: abandonar as críticas e sofrer calado em vez de questionar.

"Os Números" (Raul)

Outra das minhas favoritas da obra Raulzística! Legal que ele vai chamando o pessoal um a um, e logo começa um forrozão daora. Raul pitagórico fala sobre os simbolismos de alguns números importantes: o 1 representando a unidade, o 2 com o confronto, o 4 com a estabilidade dos pontos cardeais, o 7 com a plenitude e a espiritualidade, e também o 12, tão importante na cultura judaico-cristã-ocidental.

"Cantiga de Ninar" (Raul)

Outra música inspirada pela paternidade. Raul, juntamente com Glória Vaquer, estava "grávido" de Scarlet Seixas, que na verdade já era sua segunda filha. (a primeira, Simone, foi com sua primeira mulher, Edith Wisner). Chama atenção o "Eu lutei mas perdi a guerra / Eu só posso te dar meu nome": Raul, apesar do sucesso e conforto material, já se resignava por não ter conseguido levar a cabo a Sociedade Alternativa, nem conseguiu a revolução que com certeza imaginou com suas críticas à ditadura.

"Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás" (Raul)

E pra dar aquela animadinha antes de ir embora, o clássico! Raul profeta conta vários episódios importantes da história para tentar provar a afirmação do título. Entre vários outros, ele cita Inezita Barroso quando "faz a cama na varanda". Aqui também tem um sarcasmo com a Igreja, quando diz saber tudo quando no fundo só dá desculpas do tipo "Deus quis assim". Se ela sabe tudo, Raul sabe muito mais! Até porque, afinal, é mais velho!

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube. (ainda vou descobrir por que alguns vídeos ele deixa postar direto e outros, só como link)

E é isso!


3 comentários:

  1. "O Homem" pra mim já vale o disco todo. =)

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  2. O palhaço que come lixo deve ter sido tão importante pro Raul, que foi tema central de outra canção: "Banquete de lixo", do álbum Panela do Diabo.
    Mas ainda não sei se tem alguma coisa a ver também com o famoso "Banquete de Mendigos"
    https://www.youtube.com/watch?v=MHOKaI3VoME

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